The First Berserker: Khazan — Análise
Lançado pela Neople e ambientado oitocentos anos antes dos eventos de Dungeon Fighter Online, The First Berserker: Khazan poderia facilmente ser mais um corpo atirado no cemitério saturado dos soulslikes. Mas não é. Contra o vício do imitativismo, o jogo avança com a força bruta de uma entidade determinada a se fazer lembrar — um título que aposta em combate agressivo, ambientação furiosa e uma surpreendente camada narrativa emocional, tudo isso entrelaçado com sistemas de progressão densos, mecânicas de combate refinadas e uma identidade visual que, embora longe da exuberância técnica da FromSoftware, respira por si só.
A história de The First Berserker: Khazan é surpreendentemente mais presente, direta e pessoal do que o padrão do gênero costuma permitir. Em vez de um protagonista amnésico e mudo, temos um general traído, torturado e atualmente possuído — não metaforicamente, mas literalmente — por uma entidade espectral chamada Espectro da Espada, um agregado de almas a serviço de Charon, Senhor do Submundo.
Esse espectro, que inicialmente enfrenta o jogador e depois se torna aliado, é mais do que um clichê de “espírito vingativo”: ele conduz a narrativa, está ligado à mecânica de combate e simboliza a condição atual do protagonista. Khazan é apresentado como o primeiro Berserker não apenas por título, mas porque toda a estrutura do jogo gira em torno da fúria — seja a dele, seja a do mundo ao redor. A história, apesar de linear, conta com três finais possíveis, sendo um considerado o “verdadeiro”, desbloqueado por meio de missões paralelas, coleta de documentos e um chefe final reformulado.
Mais do que vingança, Khazan aborda sujeição, remorso e transcendência em meio ao colapso, o que aproxima sua jornada de Sekiro mais do que de Dark Souls: ele tem nome, rosto, e um fardo que não pode ser descartado como símbolo vazio. E isso pesa — estética e emocionalmente.
Após derrotar o dragão Hismar ao lado de seu irmão de armas, Ozma, Khazan é condenado como traidor pelo império que servia. Torturado e executado, é salvo — ou transformado — pelo Espectro da Espada, que passa a habitar seu corpo. A partir daí, o que se desenrola é menos uma jornada heroica e mais um rito brutal de restituição, onde vingança e a dor de ser usado por forças maiores se fundem em cada golpe. O espectro age como uma consciência alienígena interna, influenciando não apenas a história, mas também o sistema de combate, as transformações mecânicas e os rumos do desfecho narrativo. Ainda assim, o jogo evita os meandros excessivamente herméticos: há cutscenes regulares, diálogos que contextualizam os confrontos e uma cadência dramática mais clara do que o convencional no gênero.
E é justamente nos sistemas de progressão que Khazan mais surpreende, rearticulando elementos familiares de títulos como Nioh e Sekiro com uma lógica própria. A estrutura de missões, acessada através do hub central chamada Fenda, substitui o mundo interconectado tradicional por mapas extensos, cheios de variações verticais, atalhos, subchefes e áreas secretas. Mesmo não permitindo pulo — uma limitação curiosa, considerando os movimentos acrobáticos do protagonista —, a exploração ganha densidade graças a mecânicas como as lanternas, que revelam paredes ilusórias, e os efeitos ambientais que mudam a forma como você interage com inimigos específicos, como mortos-vivos que exigem execução dupla, ou criaturas invisíveis cujos rastros se revelam melhor com equipamentos específicos (ou com muita atenção). Sem contar cristais e jarros vivos escondidos pelos cenários que, se encontrados, podem ser trocados por atributos ou itens que ajudam em sua jornada, favorecendo o fator replay.
O combate, por sua vez, é uma ode ao confronto direto. Ao contrário da cadência quase meditativa de um Dark Souls, Khazan quer que você ataque — rápido, forte e com estilo. A construção de combos é vasta, e mesmo com apenas três modelos de armas principais (espadas duplas, lança e espadão), a variedade de estilos e possibilidades se amplia exponencialmente conforme você desbloqueia novas habilidades ativas e passivas em árvores específicas de cada tipo de armamento. Essas habilidades são obtidas não só ao subir de nível com Lacrima — a moeda de experiência com um sugestivo nome que sugere os esforços para obtê-la —, mas também pelo uso contínuo de cada arma, num sistema de masterização que premia a insistência. Além disso, o jogo permite que você resetar os pontos de habilidade livremente — um gesto de rara generosidade num gênero onde errar build muitas vezes significa recomeçar do zero.
Esse respeito ao jogador se estende também à forma como o jogo lida com a progressão diante da morte: ao enfrentar um chefe, você recebe experiência proporcional ao dano causado, independentemente do resultado. E a Lacrima perdida na derrota fica do lado de fora da arena, garantindo que cada tentativa seja também uma forma de progresso. Embora certamente uma turma obcecada pelo gênero Souls da FromSoftware, torça o nariz diante dessas muletas, principalmente os fãs de Dark Souls II (o Kaizo Mario dos Souls), que confunde desafio com masoquismo, não se engane: continua sendo desagradável perder vinte vezes seguidas para um mesmo chefe, e as Lacrima recuperadas e acumuladas não serão fundamentalmente decisivas para te levar à vitória.
Os chefes, aliás, são o grande ponto de tensão e catarse do jogo. Todos eles, sem exceção, são desenhados com propósito. O Viper, primeiro verdadeiro “checkpoint de habilidade” do jogo, é um ótimo exemplo: quatro fases, múltiplas barras de vida, ataques bem coreografados, mas punidores — um duelo que já comunica, sem rodeios, que o jogo não está interessado em moderação. Mas a genialidade de Khazan está na didática embutida em seus chefões. Volbeno, por exemplo, ensina que o parry perfeito não bloqueia dano elemental, enquanto Elemane castiga brutalmente quem abusa da estâmina, com ataques que só se ativam quando ela zera. Mais adiante, o chefão Maluka entra em uma fase em que usar a espada curta torna seus movimentos quase imprevisíveis, forçando o jogador a abdicar da agressividade e simplesmente sobreviver. E o que dizer de Trokka, uma bruxa que, em certo momento, parece se tornar um personagem de Dragon Ball, atirando centenas de rajadas de ki — e tudo o que você pode fazer nesse momento é correr, administrando sua estâmina para não ser instantaneamente obliterado? E tudo isso sem cair na armadilha da injustiça: as mortes, mesmo as mais repetidas, jamais parecem arbitrárias. Há, em cada luta, uma lição clara — sobre ritmo, sobre posicionamento, sobre humildade. E esse ciclo de tentativa, erro e iluminação nunca se rompe.
Vale ressaltar que Khazan também conta com o auxílio de outros espectros, que oferecem atributos variados, além de possibilitar até mesmo uma transformação digna de um shounen. Essa transformação, embora temporária, traz um moveset exclusivo, o que oferece ao jogador uma escolha estratégica sobre como enfrentar determinadas fases ou inimigos.
Ainda assim, Khazan não passa ileso de certos problemas. Ou melhor dizendo: talvez não sejam exatamente falhas, mas escolhas que podem ser vistas como questionáveis. Um dos pontos mais discutíveis é a repetição de chefes em missões paralelas — conteúdo que, embora ofereça áreas inéditas e estenda bem a longevidade do jogo, perde força ao reciclar confrontos, o que pode reduzir a empolgação pela exploração. Para alguns, enfrentar novamente um chefe já vencido pode até ser interessante, especialmente quando surgem variações em seus padrões de ataque — ainda que, na maioria das vezes, esses reencontros sejam com versões enfraquecidas. Mas o jogo já permite revisitar os confrontos originais, o que torna a decisão de reutilizá-los em novos contextos ainda mais questionável.
Falando em revisitar fases, esse é mais um ponto controverso que pode agradar alguns e incomodar outros: ao retornar a uma área diferente daquela que estava sendo explorada, o jogo age como se fosse a primeira visita de Khazan — mas sem as cutscenes. Os diálogos com o Espectro da Espada e com aliados ainda acontecem, ignorando que o local já foi percorrido. Além disso, os atalhos — como portas destrancadas ou escadas liberadas — voltam ao estado inicial. Isso não significa que o jogador precise refazer toda a exploração, já que as “bonfires” (os pontos de checkpoint do jogo) permanecem acessíveis; no entanto, qualquer atalho aberto anteriormente precisará ser ativado novamente.
As armas, a depender do público, também podem ser um ponto positivo ou negativo. Temos inúmeras armas divididas em classes, como espadas duplas, lança e espadão, com visuais únicos e alguns efeitos interessantes, mas, na prática, elas possuem o mesmíssimo moveset. Não espere encontrar armas com efeitos únicos, como uma Espada Blasfema soltando um rajadão em Elden Ring; no geral, elas apenas possuem atributos específicos que vão além da ideia de dano. Na verdade, esses efeitos “únicos” são atribuídos justamente ao desbloquear as habilidades ativas e passivas nas árvores específicas de cada tipo de armamento. Evidentemente, o jogador terá um número bem maior de movimentos com suas espadas do que em Dark Souls ou Elden Ring, mas talvez alguns não se animem tanto em buscar uma arma específica por conta de seus efeitos de ataque — apenas pela build em si ou pelo apelo do Fashion Souls.
Talvez o maior “defeito” (ou escolha questionável) de Khazan esteja na linearidade do seu mundo, cujas áreas sequer são interligadas. As fases de Khazan até possuem um ritmo de exploração semelhante ao de uma área delimitada de Dark Souls, com portas e bonfires estrategicamente posicionadas, que salvam a progressão do jogo após a abertura de tantas portas ou escadas. No entanto, além de ser bem menos labiríntico que os jogos da FromSoftware, não há como transitar livremente de uma fase para outra. Sendo direto: Khazan não oferece um grande mundo para você sofrer e passar raiva enquanto descobre o caminho mais adequado ao seu nível — ele é um jogo de fases, nas quais novas áreas são simplesmente apresentadas, inclusive com recomendação de nível para explorá-las e passar aquela raiva gostosa. Em contrapartida, essa limitação por fases também, de certa forma, freia a possibilidade de farmar excessivamente a árvore de habilidades das armas, impedindo que você chegue ao quarto chefe do jogo já completamente tunado. Ainda assim, caso a paciência permita, não há qualquer impedimento para a obtenção de Lacrima ou dinheiro — utilizados, respectivamente, para melhorar seus atributos e adquirir itens.
Visualmente, Khazan aposta em um cel shading de influência clara do estilo de mangá dark fantasy, com contornos grossos e cores saturadas que fogem do padrão gótico realista e ecoam mais Berserk do que Bloodborne. Embora alguns ambientes sejam genéricos e o design de níveis sofra com artificialidade em certas conexões de mapa (atalhos que parecem construídos antes do próprio terreno), o jogo compensa nas animações limpas durante o combate, nos efeitos visuais precisos e na estética brutal que abraça o grotesco sem perder o estilo. A trilha sonora cumpre seu papel nos momentos de clímax, mas é esquecível fora deles. Já os efeitos de som — especialmente durante os combates — são intensos e bem trabalhados. A mixagem, apesar de irregular em momentos de ambientação, ganha corpo nos duelos maiores.
Por fim, The First Berserker: Khazan é um soulslike feito com convicção. Contra todas as expectativas e a tentação de ser apenas mais uma peça genérica na engrenagem da FromSoftwareização do mercado, Khazan se inscreve como uma experiência de ação brutal que se ancora em um sentimento raramente centralizado em jogos do gênero: raiva. Ele não pretende converter os descrentes, mas entrega aos já iniciados um banquete de aço e espírito em combustão. Sua raiva é operativa, sua dor é dialógica, e seu combate — ainda que derivado — pulsa com energia própria. É um jogo que não apenas entende seu lugar dentro do gênero, mas escolhe, com precisão, onde e como subvertê-lo. No mar de títulos esquecíveis que orbitam a FromSoftware, Khazan ergue-se como exceção memorável — não por tentar ser maior, mas por ser ferozmente coeso, honesto, e, acima de tudo, absolutamente jogável.