Programa de Rádio com Kazuhiko Torishima em memória de Akira Toriyama

Programa de rádio TOKYO M.A.A.D SPIN – Estação J-WAVE (81.3FM)

Quadro: Estação de Transmissão Secreta de Yubo & Mashirito

Ao ar em 26 de março de 2024 às 1h da manhã.

Edição especial em memória de Akira Toriyama-sensei

Esta noite, estamos virando nossa programação de cabeça para baixo para discutir o triste acontecimento de 1º de março.

 

Decidimos oferecer a você um programa especial em memória de Akira Toriyama-sensei, um imenso talento do mangá, se é que alguma vez existiu outro assim. Gostaria de compartilhar com vocês as palavras e pensamentos do Kazuhiko Torishima-san, o editor de mangá deste programa, graças a quem pudemos conhecer Akira Toriyama, um talento único que o Japão se orgulha de ter podido compartilhar com o mundo . Gostaria de agradecer a Masako Nozawa-san, que faz o papel de Goku, e ao mangaká Hisashi Eguchi-san, pela valiosa cooperação que nos permitiu apresentar este programa a vocês.

Boa noite, sou Kazuhiko Torishima, editor de mangá. Estou emocionado de estar com vocês hoje.

Estamos aqui no estúdio vendo a primeira página de um jornal esportivo sobre a notícia da morte do Toriyama-san, mas quando você soube do falecimento dele?

A notícia foi anunciada à mídia na sexta-feira, dia 8, ao meio-dia, e acho que ouvi sobre isso na noite anterior. Devo dizer que ao ouvir tão tarde esta triste notícia, tive a impressão de ser o último dos afetados…

Entendo. Como você se sentiu ao saber da notícia?

O céu caiu sobre minha cabeça.

Você falou brevemente sobre este assunto, mas posso pedir-lhe que nos conte mais?

Vou me dirigir a ele hoje como costumava fazer, chamando-o de Toriyama-kun. Fiquei muito surpreso com a notícia, obviamente. Mas, em vez de tristeza, é um sentimento de gratidão que tomou conta de mim. Toriyama-kun, já se passaram 45 anos desde que vi pela primeira vez seus desenhos enviados ao concurso mensal e lhe pedi por telegrama para trabalhar comigo porque acreditei no seu talento.

Ele era um designer desempregado que nunca havia produzido um mangá. Um mangaká que quase nunca lia mangás. Nossa relação começou então como a de um mangaká e de um editor que lhe era responsável, e a partir daí trabalhamos muito durante um ano.

No processo, surgiram muitos sucessos de uma forma que não esperávamos, como Dr. Slump, Dragon Ball e, embora numa mídia diferente, incluiria também Dragon Quest. Pensando bem, o que tínhamos em comum era querer encontrar e criar coisas interessantes que o mundo ainda não tinha visto.

E neste ponto, embora ocupássemos posições diferentes e por vezes tivéssemos opiniões divergentes, senti imediatamente que nos dávamos bem. Seu talento e trabalho árduo, combinados com minha direção precisa e minhas próprias habilidades de produção foram responsáveis ​​por esses sucessos, mas sempre acho que isso é apenas um lado da moeda.

Acho que o outro lado são os jovens, que estão sempre em busca de algo novo e interessante, eles te encontraram e te apoiaram. Os telefonemas para o editor depois das 15h, as cartas ao editor e as marcas de lápis em torno das obras populares nos cartões postais das pesquisas de popularidade foram o que fizeram de nossos livros um sucesso. Isso me fez perceber que chegamos até aqui por causa dessas crianças e de seu apoio.

Desde a sua morte, muitas vozes se levantaram na internet, mas fiquei muito surpreso ao descobrir que havia mais palavras de gratidão do que de tristeza. Recebo palavras de agradecimento de crianças e adultos, não só do Japão, mas de todo o mundo, o que me deixa muito feliz e grato por ter contribuído para este trabalho.

É verdade que a sua partida foi repentina, mas os personagens nos quais ambos trabalhamos tanto todos os dias ainda estão vivos e continuarão a existir para sempre no coração das crianças. Acho que quando eles passarem por um momento difícil, provavelmente continuarão a encorajá-los no futuro. É maravilhoso que crianças de todo o mundo possam falar uma língua em comum com esta única interjeição: Ossu! Ora Goku.

Pessoalmente, penso que o que fizemos é comparável à música dos Beatles. Muito obrigado por esses 45 anos de colaboração, foram realmente os melhores.

Obrigado por estas palavras. Hoje gostaríamos também de falar sobre Kazuhiko Torishima, que observou o talento de Akira Toriyama pela perspectiva única de um editor.

Acho que seria bom se eu falasse francamente sobre o que senti e o que pensei durante o tempo que trabalhei com ele, seria uma boa forma de agradecê-lo.

Seu livro foi lançado no ano passado, e na época, há cerca de um ano, você me contou que encontrou Toriyama-sensei…

Na verdade, este livro que publiquei em julho passado tem uma capa assinada por ele e inclui um quadrinho e uma conversa com ele, o que nos permitiu nos reconectar. Já se passaram vários anos desde que o vi e conversamos por cerca de duas semanas sobre esse projeto. Quando pude vê-lo pessoalmente e tê-lo diante de mim pela primeira vez em tanto tempo, senti como se ele tivesse envelhecido. E embora sua voz estivesse normal, depois de um tempo quando ele começou a falar, parecia fraca e me perguntei se ele estava bem. Foi assim que nossa conversa começou.

Onde vocês se encontraram?

Em um hotel em Tóquio. A princípio, pensei que a presença do editor-chefe, que estava ao nosso lado e que era uma pessoa ilustre, o impediria de falar livremente, mas não foi o caso. Voltando à impressão que tive dele, tive a sensação de que ele estava enfraquecido e realmente me perguntei se havia algo sério com ele…

Você conversou com ele antes da entrevista?

Havia muitas pessoas presentes, incluindo os editores da revista e os editores do meu livro…

Entendo. O programa Sunday Station (da TV Asahi) foi ao ar no dia 10 de março e o assunto da morte repentina de Toriyama-san foi discutido, com comentário de Junji Yamamoto, ex-promotor de Dragon Ball na Shueisha, certo?

Sim.

Quantos pedidos de entrevistas e comentários você recebeu?

Cerca de trinta empresas me ligaram.

30! E quantos deles receberam uma palavra sua?

Nenhum neste momento.

Nenhum?

Sim, zero. Porque a televisão quer cobrir os assuntos do momento e neste momento prefere reportar sobre Dr. Slump. Não quero me encontrar numa situação em que estou conversando com alguém que não compartilha dos meus sentimentos, diz coisas convencionais e passa o tempo me interrompendo, isso me fará mais mal do que bem. Queria poder me expressar em uma situação em que estivesse diante de pessoas que entendessem claramente minhas intenções e levassem em consideração o que eu digo.

Suspeitei que devia haver muitos pedidos, mas não tantos. Mas eu sabia, por outro lado, que você nunca concordaria em ter suas palavras cortadas.

Lamento ser tão franco, mas estou aqui porque a produção deste programa me deixa confortável, foi organizado adequadamente e posso falar sem impedimentos. A razão pela qual quase não dei entrevistas na TV é que participei de alguns programas de TV no ano passado e realmente senti que essas produções estavam travadas, você só é convidado a dizer algumas palavras no início da transmissão. Tudo é extremamente roteirizado e não haveria espaço para um discurso tão chato quanto o meu.

Por quantos anos você esteve no comando de Toriyama-sensei?

Entre meus 25 e 38 anos, ou seja, cerca de 13 anos.

Você se lembra do seu primeiro encontro com ele?

Naquela época, a primeira coisa que fiz foi enviar um telegrama. Não queria pegar as pessoas de surpresa ligando para elas do nada. Escrevi para ele: “Você tem talento! Se concordar, gostaria de ligar para você”, e liguei para ele. Conversamos e pedi que ele viesse a Tóquio. Então fomos almoçar em algum lugar e, na ida ou na volta, mostramos a ele a redação. Ele queria caminhar e ver as pessoas andando, mas meu tempo era limitado.

O que disse a ele quando o conheceu, quando ligou pra ele para dizer que ele era talentoso e quando viu seu trabalho pela primeira vez?

Falei sobre o seu talento, sim, mas também lhe disse especificamente quais eram os seus pontos fortes. Também tive muita pena dele porque senti que ele estava num nível em que deveria ter recebido um prémio por ter participado no concurso, ou pelo menos estar nas menções honrosas.

Porém, por se tratar de uma paródia de Star Wars, sua história não pôde ser publicada e, portanto, não foi julgada. Não sei se disse isso na época, mas se eu fosse editor, teria conseguido pelo menos o mínimo necessário. Mas, ei, na época nós dois tínhamos vinte e poucos anos e era meu segundo ano na revista.

Você não era muito mais velho que ele, mas disse que se ele trabalhasse duro, conseguiria sobreviver. Você não disse mais nada ao falar de Katsura e Inada, mas você tem o dom de identificar pessoas talentosas. Se lembra da última coisa em que trabalhou antes do seu livro?

A última vez deve ter sido para o filme em que dei uma mão ao Kouzou Morishita, com quem falei aqui outro dia, enquanto esperava ele sair do hospital. Dragon Ball Z: Batalha dos Deuses.

Na época, você era editor geral e chefe do departamento editorial da Shueisha, responsável por todas as revistas da empresa.

Sim, está correto.

O Toriyama-sensei daquela época parecia diferente daquele que você foi responsável como editor?

Para o filme em que trabalhei com Morishita, Toriyama-san revisou o roteiro e enviou para mim; depois trocamos e-mails e assim por diante. Havia um editor responsável e ele era o intermediário. Portanto, não o vi pessoalmente nem ouvi sua voz.

Quando foi a última vez que vocês tiveram uma reunião cara a cara?

Não me lembro.

Já houve algum tempo em que você conseguiu ter uma conversa mais aprofundada?

Não, infelizmente. A última vez foi provavelmente quando veio a Tóquio para participar no júri dos dois principais prêmios de mangá e do prêmio semestral de mangá, depois do qual havia sempre um jantar no Yamane Hotel, que não existe mais, onde o evento estava acontecendo. Decidi esperar até o final das deliberações para me mostrar. Queria ver seu rosto e ouvir sua voz para saber se ele estava bem, como sempre fazia. Isso foi antes de eu entrar na Hakusensha, há cerca de 10 anos.

Em que tipo de lugar você conseguiu vê-lo?

Costumávamos jogar futebol. Não éramos muitos, mas havia Toriyama, Katsura e Inada…

Como mudamos o horário, queria te perguntar muitas coisas. Não tanto sobre o que aconteceu, mas sobre o que você acha do Toriyama-sensei, do talento dele. Se você o tivesse na sua frente, o que gostaria de dizer a ele?

Obrigado pelos últimos 47 anos e por ser o melhor artista de mangá que já vi. Em suma, palavras de gratidão e apreço. Quando reli o primeiro comunicado de imprensa que escrevi, senti que não foi o suficiente. Ele criou seu mangá do zero, mas isso é apenas metade da batalha.

A outra metade se materializa na reação das crianças e dos leitores da época, e é assim que a obra se formaliza. Toriyama-kun e eu sempre tivemos consciência de que estávamos fazendo mangás para crianças, para leitores.

Nós compartilhamos essa crença. Ele era mentalmente forte, e é também por isso que me parece ser o melhor artista de mangá que já conheci.

Pela minha limitada experiência trabalhando contigo, você não é muito de elogios, né?

Isso mesmo!

Você é mais de escrever do que de verbalizar.

Achei que se ele os ouvisse, isso o envergonharia mais do que qualquer outra coisa. Acho que a maioria dos artistas de mangá com quem trabalhei entenderam que quando eu dizia que era mediano, era o maior dos elogios.

“Nada mal”, isso é muito bom.

Até ter os tais manuscritos, eu estava constantemente pensando. Eu tinha em mente não elogiar, pois sempre presumi que os conselhos posteriores seriam melhores. Eu ainda tenho esse sentimento. Então, se estou elogiando é porque era inevitável.

Quando você faz um elogio, não haverá outro.

É por isso que as pessoas dizem que sou duro, mas só há uma razão para eu ser duro… Só uma razão: eu respeito o talento dos autores mais do que qualquer um.

Seu amor pelo talento dele permitiu que ele se espalhasse pelo mundo. Foi isso que lhe permitiu obter um sucesso ainda maior depois de Dr. Slump com Dragon Ball…

Os leitores são exigentes e por boas razões. Eles pagam para ler o que têm em mãos, reservam um tempo para ler. Se estávamos doentes ou não dormíamos enquanto fazíamos os manuscritos, não faz diferença.

O que importa é a avaliação semanal do leitor, e isso pode ser determinado por uma única página ou fala. É por isso que precisamos levar a sério. A forte competição às vezes leva a palavras duras ou à falta de elogios.

No entanto, se você for diligente no que faz, a mensagem será transmitida, mesmo se você olhar os atalhos. O que me lembro de Dragon Ball é que depois das 15h eu estava no estúdio de outro mangaká, e foi quando os alunos do ensino fundamental saíram da escola. Eu os vi correndo com seus cadernos, fazendo Kamehameha. Quando vi isso, soube que a mensagem havia sido transmitida às crianças. Isso também aconteceu durante Dr. Slump e conversei com ele sobre isso nas duas vezes.

Qual foi a reação dele?

Ele ficou muito feliz com isso.

Originalmente, Toriyama-sensei trabalhou como ilustrador e designer. Ele realmente gostava de desenhar seus modelos favoritos de carros, máquinas e outros veículos, mas nunca tinha feito mangá antes.

Sim.

Não é que ele não estivesse interessado em mangás, mas eles eram primeiro a sua fonte de renda.

De fato.

Ouvi dizer que ele teve muita dificuldade no início, com o storyboard e a estrutura de suas histórias.

Ele penou com isso. Anteriormente, ele estava desempregado e passava 5 horas por dia na casa dos pais. Ele sabia que não poderia viver assim para sempre. Quando chegou a Tóquio, ele me disse: “Torishima-san, não posso me dar ao luxo de perder tempo. Se não estrear depois de um ano e meio, deixarei de ser um cartunista”.

Foi sobre isso que conversamos, eu disse a ele que íamos tentar superar isso em dois anos. Mas ele queria que fosse menos que isso. Então eu o disse que só dependia dele.

 

Créditos da tradução a partir do francês: https://twitter.com/Arion80/status/1777453261919760680

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