Dragon Ball na Mídia - Crianças aprendem a se defender da TV

O Estado de São Paulo, 09/06/2002 - Criança e TV
Crianças aprendem a se defender da TV

Cristina Padiglione

Proibir que as crianças se apeguem a produções pirotécnicas, repletas de heróis de vida fácil - todos são dotados de superpoderes - não é negócio. A proibição só aguça a vontade dos pequenos. Mais eficiente é ensiná-los a "digerir" esse cardápio, filtrando a TV que tanto os encanta. Esse foi o caminho tomado pela direção do Colégio Santa Maria (zona sul de São Paulo), ao perceber que a brincadeira predileta de alguns alunos na faixa de 4 a 5 anos era "brincar de Power Rangers".

Veio daí a decisão da orientadora de Educação Infantil Suely A. Gonçalves Gomes de promover sessões de TV entre os alunos. Em dias alternados, foram exibidos o Sítio do Picapau Amarelo, o Castelo Rá-Tim-Bum e um filme dos Power Rangers. A excitação da criançada, após a apresentação desse último, era evidente. "Nós percebemos que eles ficavam mais agitados e mais agressivos na hora de brincar. Dizem que gostam também do Sítio, mas preferem os Power Rangers. O Castelo, já acham mais parado", afirma Suely.

Entre as meninas, o Sítio leva a melhor na preferência.

Orientadora e professoras partiram então para a tarefa de educar a leitura que as crianças devem fazer da TV. Para tanto, tiveram de fazer a lição de casa.

"Nós fomos conhecer esses programas. Concluímos que os heróis de antigamente ainda tinham um ideal, um caminho a seguir para conquistar suas vitórias. O Zorro tinha uma honra. Esses heróis japoneses de hoje conquistam tudo magicamente, não em razão de um ideal. Não são astutos, inteligentes, nada disso. Tudo empobrece muito a imaginação da criança", avalia Suely. Nessa linha incluem-se o Dragon Ball Z, Digimón e Pokémon.

Um dos alunos contou a Suely que a mãe o proibira de ver Dragon Ball. "Por quê?", quis saber a orientadora. "Não sei, ela não me disse", respondeu o garoto. "Não adianta proibir e não explicar o motivo", observa.

Em abril, numa reunião sobre a exposição das crianças à violência, os pais puderam discutir como orientar os filhos a digerir a programação que consomem. Alguns deles se prontificaram a coibir os excessos.

Documentado - Em depoimentos gravados longe dos pais, alguns alunos explicam a Suely suas preferências. Um deles conta que assistiu ao Dragon Ball Z (uma saga de guerreiros) escondido da mãe. As cores dos Power Rangers são citadas como um dos atrativos da produção - cada um veste um tom: vermelho, azul, amarelo e, representando o topo hierárquico, o branco. Tudo se resolve com pouco diálogo, muita ação e maniqueísmo, num formato cuja assimilação nem requer grande atenção da criançada.

"E por que eles lutam tanto?" questionou Suely no vídeo. Um dos meninos ponderou: "Eles não lutam, atacam." E explica que é necessário "matar" o monstro. Suely pergunta se é mesmo necessário matá-lo: "E se a gente conversasse com ele para que ele ficasse bom?" O menino diz: "A gente pode conversar, mas, se ele não ficar bom, tem que matar".

O fato de Power não ser desenho animado (como Digimón, Pokémon e Dragon Ball Z) excita ainda mais as crianças. "O cenário é de verdade, tem gente de verdade. Tudo isso dá a idéia de um mundo mais real", explica Suely.

A crianças de 6 anos, a orientadora já chegou a revelar que aquilo é uma produção "de mentirinha", fruto de efeitos especiais. Questionar, duvidar e achar outras saídas são exercícios mentais que as crianças podem fazer diante dos filmes e desenhos. É a aprendizagem do senso crítico da escolha, do pensamento divergente. "Eles precisam saber que não é com luta que tudo se resolve."