Análise Death Note: Killer Within

Análise de Death Note: Killer Within

Death Note é uma série de mangá escrita em 2007 por Tsugumi Ohba e ilustrada por Takeshi Obata que conta a história de Light Yagami, um jovem estudante que encontra um caderno com poderes sobrenaturais, o Death Note, capaz de matar qualquer pessoa cujo nome seja escrito nele. Ao descobrir o poder do caderno, Light decide usar essa habilidade para eliminar todos os criminosos do mundo e criar uma sociedade livre do mal. Esse conceito de “justiça” distorcida, com o confronto entre Light (Kira) e L, um detetive excêntrico que tenta descobrir sua identidade, formam a base para uma trama que se tornou popular não só no Japão como no resto do mundo, inclusive no Brasil.

Por aqui, a série de mangá foi licenciada e publicada em duas versões pela editora JBC, que também lançou as duas light novels da série. O anime foi exibido pela primeira vez em 2009 pela Animax, sendo reexibido em 2014 pela PlayTV até chegar no serviço de streaming da Netflix. É inegável que aqui o anime conquistou uma popularidade incomum para um anime que sequer foi exibido em TV aberta, ao contrário de Pokémon, Cavaleiros de Zodíaco e Dragon Ball, ainda mais em uma época que serviços de streaming sequer existiam por aqui. Quem não se lembra ou nunca viu um aborrecente introspectivo imitando os trejeitos esquisitos do detetive L, principalmente no seu jeito ridículo de sentar, enquanto tentava convencer os outros do quão genial era?

Com sua popularidade, não é surpresa que Death Note tenha sido adaptado para o universo dos jogos, porém, diferente de qualquer mangá de lutinha, adaptar a história de Death Note sem inseri-la em um gênero de estratégia que lide com deduções, tal como a atmosfera da obra original, é quase impossível (meio difícil imaginar Kira e L saindo na porrada com golpes ao estilo de Street Fighter). Por isso, quase todos os poucos jogos de Death Note que saíram acabaram seguindo esse gênero, ficando destinado apenas ao público japonês. Porém, literalmente do nada, a Bandai Namco anunciou em novembro de 2024 um novo jogo de Death Note seguindo justamente o gênero de estratégia, mas dessa vez para o público ocidental: Death Note: Killer Within, lançado para PlayStation 4/ 5 e Steam. Só que com um diferencial, o novo jogo não seria apenas um jogo com um trambolhão de textos pro jogador lidar como eram nos outros, mas sim bebendo da mesma fórmula de um outro jogo que ganhou enorme popularidade durante a pandemia de Covid-19: Among Us.

Para contextualizar, Among Us, de 2018, tornou-se um fenômeno tardio após influenciadores da Twitch popularizarem o jogo em 2020. Seu formato acessível em plataformas móveis e de jogabilidade simples permitiu que se destacasse em um ambiente de isolamento social, funcionando como uma “mesa de bar” virtual para muitos jogadores em um período meio conturbado no mundo. A presença massiva na Twitch e o suporte do Discord ajudaram no impulsionamento e adoção do jogo. Resumidamente, Among Us se baseia na dinâmica de identificar um impostor em um grupo de até dez jogadores – tripulantes de uma nave – que tentam cumprir tarefas, enquanto um impostor sabota e elimina os demais. E Death Note: Killer Within incorpora os atributos construídos em Among Us, só que com a linguagem e as skins da franquia japonesa. Infelizmente, para um jogo que reúne elementos-chaves de duas franquias distintas, mas bastante populares, o resultado acaba deixando um pouco a desejar, devido a falhas no design, mecânicas meio desequilibradas, problemas de repetição e a falta de idioma em Português. Mas, que se jogado com amigos e ganhar atualizações, tem grande potencial.

O principal modo de Death Note: Killer Within gira em torno de duas equipes: Equipe Kira, composta por Kira (que possui o Death Note) e os Seguidores de Kira; e Equipe L, composta por L e os Investigadores que tentam revelar a identidade de Kira e impedi-lo de usar o Death Note. O jogo se divide em dois períodos: a “Fase de Ação” e a “Fase de Reunião”.

Na “Fase de Ação”, as duas equipes têm tarefas específicas. A Equipe Kira deve se infiltrar entre os investigadores e roubar suas identidades (IDs), matando-os com o Death Note. O trabalho dos Seguidores de Kira é roubar esses IDs em segredo e ajudar Kira a cumprir o objetivo de eliminar outros jogadores. Para isso, eles podem até trocar de papel com Kira através de um sistema de transferência do Death Note, o que cria momentos de confusão, caos e tentativas até engraçadas de enganar os adversários. Já os Investigadores, liderados por L, devem completar tarefas, como coletar depoimentos de NPCs e procurar pistas que ajudem a identificar quem é Kira. A maior parte do trabalho dos investigadores envolve rastrear comportamentos suspeitos e reunir provas para acusar e prender Kira.

Na “Fase de Reunião”, os jogadores se reúnem para discutir suas descobertas e votar sobre quem que eles acham que é Kira. Se Kira for identificado e preso, o Death Note será destruído e a equipe L vence. Caso contrário, se Kira conseguir matar os investigadores restantes ou o próprio L, a vitória será de Kira e seus seguidores. Essa fase é onde as discussões acontecem, mas sem muito espaço para estratégias, já que as acusações se baseiam, muitas vezes, em suposições vagas ou pistas mínimas. É a parte onde rola todo o caos que tanto marcou a diversão de Among Us, com muita gritaria, xingamentos, risadas e acusações infundadas.

Embora a ideia central de uma disputa entre investigação e assassinato seja interessante, Death Note: Killer Within meio que falha em um primeiro momento de manter o jogo envolvente e no mesmo clima caótico de seu grande inspirador (com exceção do momento onde há a reunião). A principal mecânica de roubo de IDs, onde Kira e seus auxiliares precisam coletar as IDs dos outros jogadores para matá-los, acaba sendo uma experiência repetitiva que ganha mais destaque e importância que as demais dinâmicas. Muitas vezes, o foco no roubo de IDs acaba se sobrepondo à dinâmica de dedução e investigação, ou mesmo a dinâmica de fazer o que é preciso fazer sem dar na cara, o que reduz o potencial de envolvimento estratégico e torna a interação entre os jogadores meio monótona.

A investigação acaba não empolgando tanto quanto deveria, mesmo sendo um requisito tecnicamente importante dentro do jogo. A ferramenta de anotações de investigação, que no tutorial tem todo um destaque, rapidamente perde sua utilidade. E quando os jogadores começam a se acostumar com as mecânicas, perceberão que as IDs de todos os jogadores já foram anotadas no caderno de investigação, tornando o recurso praticamente inútil, pois aparentemente é muito mais fácil e usual roubar IDs, cujo ato sequer denuncia ativamente quem é o verdadeiro Kira. Nesse sentido, Death Note: Killer Within força, por benefício de sua própria mecânica, os jogadores a se concentrarem mais em repetir tarefas do que em realmente realizar descobertas significativas de investigação e anotação.

O papel de L é outra parte decepcionante do jogo. Embora L tenha habilidades que podem teoricamente ajudar a guiar a equipe, como acesso às câmeras por exemplo, o problema é que uma única falha — como o roubo da ID de L — pode resultar na derrota imediata da Equipe L. Isso coloca uma pressão imensa sobre o jogador que assume o papel de L, sem muitas maneiras de se recuperar de um erro. O papel acaba se tornando um fardo em vez de uma oportunidade de liderança, que poderia ser dividido ou substituído pelos demais membros de sua equipe, sendo, inclusive, mais fiel à narrativa do mangá/ anime, afinal a investigação contra Kira continua, independente do L. Isso piora ainda mais por conta da falta de opções de comunicação ou ação entre os jogadores durante a “Fase de Ação”, o que limita o potencial de cooperação. Nesse sentido, a herança do espaço de debate e acusação de Among Us não funciona para um jogo que, em teoria, busca deduzir quem é o culpado através das tais anotações e da observação do cenário, e não apenas a fanfarronice simples do joguinho da pandemia. Mas se a intenção for apenas a zoação, certeza que será engraçado e divertido, se ignorar isso tudo.

Os sistemas de comandos especiais que Kira e L podem usar não são suficientemente impactantes para alterarem o rumo da partida. As cartas de comando, que poderiam ser uma mecânica interessante, muitas vezes são mal aproveitadas ou ignoradas pelos próprios jogadores. A maioria das partidas se arrasta até que alguém cometa um erro básico — como o roubo de ID de L — ou até que o tempo acabe, o que diminui toda a tensão imaginada para uma “partida” de Death Note.

Outro ponto negativo de Death Note: Killer Within é o design de mapas. Na verdade, o jogo conta com apenas um único mapa no lançamento, Downtown, o que limita drasticamente a experiência. Embora o mapa em si não seja desinteressante, falta a profundidade ou o engajamento esperado para um jogo de dedução social com as mecânicas que lhe foram oferecidas (e que acabam sendo subutilizadas). Por ser bem simples, em poucas rodadas a experiência torna-se meio cansativa, afinal, a maioria dos jogadores acabam se acostumando com os locais e os movimentos dentro do mapa. Em jogos semelhantes, como o próprio Among Us, há uma maior variedade de mapas e até de modos de jogo, o que prolonga o fator replay, algo que Death Note: Killer Within nesse momento tem dificuldades em oferecer. Mas que provavelmente ganhará atualizações.

E por ter pouca variedade de tarefas, a maior parte da jogabilidade se resume a correr de um ponto a outro realizando tarefas simples e sem impacto real no andamento do jogo. Muitos jogadores vão se encontrar vagando sem rumo enquanto esperam que algo aconteça ou que o dia termine, o que contribui para a sensação de imersão perdida.

Em termos técnicos, o jogo não é uma catástrofe, mas também não impressiona. Gráficos são simples, serrilhados e, às vezes, mal integrados, com imagens ao estilo do anime sendo usadas em algum grande evento, como a vitória, morte de alguém ou derrota da equipe. Essa estética genérica quebra um pouco a imersão e, apesar da performance do jogo ser estável, com raros casos de bugs e quedas de framerate, a falta de um visual mais elaborado e de um design de personagens que se destaque pode ser um ponto negativo, embora seja compreensível a busca dos desenvolvedores por um estilo que lembrasse os bonequinhos utilizados na série.

A personalização dos avatares é uma tentativa de dar mais variedade ao jogo, permitindo que os jogadores escolham entre personagens como Light Yagami, Near e Ryuk e acessórios. No entanto, para alguns, a customização pode parecer superficial, não compensando a falta de profundidade no gameplay ou mesmo a falta de influência nessa personalização. A possibilidade de personalizar o avatar e o nome de jogador não faz diferença significativa na experiência de jogo e não contribui para uma sensação de progresso ou conquista, embora não seja algo dispensável. Como cosméticos grátis, não há (aparentemente) do que se reclamar; sendo pago, a conversa pode tomar um outro rumo.

Para jogadores brasileiros, um grande problema de Death Note: Killer Within está na falta de localização. Embora tenha sido uma série popular por aqui, e agora com o lançamento desse jogo no Brasil, ele não contém legendas em Português. E como é fundamental para este jogo usar o chat de voz, possivelmente o jogo estará lotado de estrangeiros falando em tudo quanto é idioma, menos Português. Se isso for um problema, a solução é contar de jogar com amigos (altamente recomendável), o que pode tornar a experiência meio onerosa, já que Death Note: Killer Within não é um jogo totalmente gratuito e nem está disponível em smartphones, embora tenha crossplay entre PlayStation 4/ 5 e Steam. Ou então buscar salas apenas com jogadores brasileiros.

Death Note: Killer Within é certamente uma das melhores experiências como um jogo da franquia, mas infelizmente falha em alguns aspectos essenciais. Numa primeira experiência, a mecânica de dedução social ainda precisa melhorar. Os papéis dos personagens parecem um tanto desequilibrados e a jogabilidade se torna repetitiva muito rapidamente. Por ser um lançamento recente e inesperado, a falta de variedade no conteúdo, com apenas um mapa disponível e tarefas sem impacto real, contribui para que rapidamente se enjoe dele, mas tem muito potencial para receber novas atualizações e novos conteúdos (como novos mapas e mecânicas), que contribuirão para sua longevidade. Além disso, o jogo está disponível gratuitamente para assinantes do PlayStation Plus, e seu preço no Steam é relativamente baixo, o que justifica a experimentação, ainda mais se o jogo vir a ganhar novas atualizações de conteúdo – e uma tradução em português.

Para os fãs de Death Note e jogos de dedução, a experiência de Killer Within pode ser interessante por algumas horas, mas independente se você é fã ou não, este é um jogo altamente recomendável de se jogar entre amigos e conhecidos, pois com amigos, não importa o jogo, a diversão é absoluta e todos os problemas do jogo acabam sendo ignorados em meio a todo o caos, gritaria e diversão que a “Fase de Reunião” proporcionará.

Nota: 8,0

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